Você sabe, meu amigo, um coração é como a bateria de um
carro. Cheguei a essa conclusão depois de algumas análises críticas e pessoais.
Não prestei muita atenção nas minhas aulas de mecânica,
assim como ignorei e matei algumas de biologia, mas o pouco que eu sei é que
ambos são mecanismos muito complexos e quando não estão em perfeito
funcionamento, desregulam todo o resto dos equipamentos.
Foi engraçado o que aconteceu em uma segunda feira de sol.
Ok, a verdade é que não foi nada engraçado.
O caso é que meu carro começou a ficar estranho, de repente.
Começou a querer demorar um pouco para pegar e, às vezes, quando ligava, morria
do nada. Uma vez, ou duas vezes seguidas. Mas o pior é que não parecia nada,
parecia só algo rotineiro de um carro que já tinha certa idade e que,
provavelmente, estava com o tanque não muito cheio.
Acontece que um dia, assim de repente, ele parou. Estava
andando normalmente, estacionei por dez minutos e quando voltei para ligá-lo
novamente... Quem disse que ele ligava? Tinha morrido. Não para sempre, é
claro, mas naquele dia ele fora descartado. Quero dizer, não ligava mais, o que
tinha, eu, para fazer?
E foi sem avisos, sem previsões, tudo bem, ele andava
estranho, mas era ocasional, não avisou nada no painel, ele mascarou muito bem
que a bateria estava no fim.
Daí eu paro e fico refletindo: pensa no mecanismo de um
carro. O mecanismo do corpo humano é muito mais perfeito, porém muito mais
complexo, também. Se um carro mascarou o problema na bateria, imagina o quão
bem um ser humano pode mascarar um problema no coração...
Passei a vida inteira ouvindo sobre corações que se partem,
sobre corações partidos. Recentemente ouvi dizer que quando se partem, nem ao
menos o fazem em pedaços iguais... Mas o seu, amigo querido, ganhou o
prêmio.
Sei lá que tipo de válvula ou engenhoca você tinha aí no
peito, sei lá por que tinha que ser justo no seu peito, sei lá se alguém já
havia partido seu coração antes, em pedaços bem mais pequenos, mas acontece que
de repente parece que você resolveu partir o meu, partindo definitivamente o
seu.
Acontece, amigo, que a sua bateria morreu. E assim como a
bateria do meu carro, você não estava indicando nada no seu painel. Foi sem
aviso, como se de repente você começasse a dar defeito, defeito esse que já
vinha dando há anos, mas você fingiu que não. E se em um dia demorava a pegar,
no outro parou de pegar de vez. E morreu!
E quando eu ainda escuto as pessoas falando sobre corações
partidos, eu me lembro do seu: O mais partido de todos. O mais doído. Porém o
que eu mais gostava dentre tantos, o maior, o que mais tinha a oferecer.
E o pior de tudo é que diferente da bateria do meu carro,
que eu já troquei, por um acaso, você é insubstituível.
SMILE by Alan Lightman
ResponderExcluirIT IS A SATURDAY IN MARCH. The man wakes up slowly, reaches over and feels the windowpane, and decides it is warm enough to skip his thermal underwear. He yawns and dresses and goes out for his morning jog. Around noon, he rides his bike to the bookstore. He spends a couple of hours there, just poking around the books. Then he pedals back through the little town, past his house, and to the lake. When the woman woke up this morning, she got out of bed and went immediately to her easel, where she picked up her pastels and set to work on her painting. After an hour, she is satisfied with the light effect and quits to have breakfast. Afterward, she wants to be alone and drives to the lake. […] The man turns. And so begins the sequence of events informing him of her. Light reflected from her body instantly enters the pupils of his eyes, at the rate of ten trillion particles of light per second. Once through the pupil of each eye, the light travels through an oval-shaped lens, then through a transparent, jellylike substance filling up the eyeball, and lands on the retina. Cells in the path of the reflected highlights receive a great deal of light; cells falling in the shadows of the reflected scene receive very little. The woman's lips, for example, are just now glistening in the sunlight, reflecting light of high intensity onto a tiny patch of cells slightly northeast of back center of the man's retina. […] In its dormant condition, each retinene molecule is attached to a protein molecule and has a twist between the eleventh and fifteenth carbon atoms. But when light strikes it, as is now happening in about 30,000 trillion retinene molecules every second, the molecule straightens out and separates from its protein. Far less than a thousandth of a second has elapsed since the man saw the woman. [...] Triggered by the dance of the retinene molecules, the nerve cells, or neurons, respond. First in the eye and then in the brain. […] This change in flow of electrically charged atoms produces a change in voltage that shudders through the cell [...] In another few thousandths of a second, the electrical signals reach the ganglion neurons, which bunch together in the optic nerve at the back of the eye and carry their data to the brain. […] At every stage, each neuron may receive signals from a thousand other neurons, combine the signals - some of which cancel each other out - and dispatch the computed result to a thousand-odd other neurons [...] Eventually, a large fraction of the trillion neurons in the man's brain become involved with computing the visual and auditory data just acquired. Sodium and potassium gates open and close. Electrical currents speed along neuron fibers. Molecules flow from one nerve ending to the next.
All of this is known. What is not known is why, after about a minute, the man walks over to the woman and smiles.